quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Custódio Coimbra > A multidão das Diretas

A foto que te mando foi feita num momento muito importante e especial para mim e para o país. Época da reabertura política, 10 de abril de 1984. Passados os anos de ditadura feroz, com muitos mortos e desaparecidos, os anistiados de volta, a luta do movimento pelas eleições diretas no Brasil ganhava as ruas. Eu tinha 30 anos e sentia na pele. Estava há menos de um ano na Ultima Hora e, nos fins de semana em que estava de folga, fazia frila no Jornal do Brasil.
10 de abril, quarta feira. Dia de comício pelas diretas no Rio, eram esperadas mais de um milhão de pessoas. O chefe da fotografia, Jorge Nicolella, mandou a turma de choque para o palanque montado na Presidente Vargas com a Rio Branco. Chiquito Chaves, Lúcio Bernardo, Avanir Niko, Julio César Pereira, entre outros “cobras”. E me deixou livre para fazer a foto geral. Essa era a minha pauta.
Saí muito antes e procurei o prédio mais alto, na esquina com a Avenida Passos, deixei meu nome na portaria e fui almoçar nas proximidades. Quando subi, para minha surpresa, já havia no terraço vários fotógrafos, debruçados na mureta. Era um local esquisito, que só tinha um cantinho com a vista geral limpa. E aí começou o revezamento. Era cedo, ainda, e lá fiquei a tarde toda. De cima, vi a multidão chegando aos poucos, grupos cantando, outros correndo. E nós no revezamento. Aos poucos o local foi esvaziando. Se não me engano, ficamos eu e o Paulo Jares, da Veja.
A noite começou a cair. Do palanque, as vozes do Ulysses, do Lula, do Tancredo, do Chico Buarque, do Teotônio Vilella enchiam o ar. Da multidão vinha o coro surdo, “um, dois, três... quatro, cinco, mil... queremos eleger o presidente do Brasil”. Eu, baixinho, cantava junto. Chegou à hora do lusco-fusco, aquele momento mágico em que a luz natural cai, dando lugar à iluminação das ruas, dos prédios e do palanque. “Coração de estudante” soava do alto-falante e das bocas das pessoas. Tive a certeza de que tinha feito a foto naquele momento.





No dia seguinte, página inteira. No fim de semana seguinte, fui para o JB frilar e, para minha surpresa, a capa da UH estava pregada no “aquário” do editor Alberto Ferreira. Naquele ano não votamos para presidente, mas entrei no JB. Quando enfim pude votar, em 89, eu já estava entrando no Globo, depois de cinco anos trabalhando com uma das maiores equipes de fotógrafos do Brasil.


Custodio Coimbra > fotografa desde o início dos anos 70. Nascido no Rio de Janeiro, casado, pai de quatro filhos, passou pelos principais jornais do Rio (Repórter, em 1978, Última Hora, em 1982 e Jornal do Brasil, 1984). Trabalha desde 1989 no jornal O Globo.
Participou de várias exposições individuais e coletivas, todas na linha sócio-ambiental. Em 2005, “Diário do Rio”, exposição no Centro Cultural Correios, rebatizada de “Le Brésil à la une”, foi também exposta na Maison des Amériques Latines em Paris, como parte do calendário do Ano do Brasil na França. Foi coordenador e editor de Fotografia dos Jornais de Bairros do Globo, de circulação semanal. É responsável por matérias especiais produzidas para as edições dominicais. Publicou trabalhos em vários livros, tais como “O Rio sob as lentes de seus fotógrafos”, de 1992; “Tons sobre Tom — A vida e a obra de Tom Jobim”, de 1996 e “Brasil 500 anos”, em 2000.

(Fonte adicional: "A mágica da fotografia", em ABI Online/Em foco - http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=491

2 comentários:

seufuviu disse...

eu não estav trabalhando pela última hora
eu trabalhava no globo
a informação sobre mim está incorreta

agradecimentos
Francisco Chaves

Aguinaldo Ramos disse...

Grato, Chiquito.
Fica registrada a sua correção.
A série continua em aberto. Se quiser enviar sua foto histórica (e depoimento), agradeço.
Abs,
Aguinaldo Ramos