quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Américo Vermelho > A bunda da Abertura

A foto é uma capa da revista IstoÉ. Não é mais um tema político, é um tema comportamental. E a IstoÉ, nessa época aqui, era uma revista que conseguia captar bem essas mudanças comportamentais. Que também acontecem na década de 80, com a volta dos exilados, a tanga do Gabeira, o Posto 9 em Ipanema, o top-less na praia...
Quer dizer, esses temas e temáticas, que não se tinha, até aquele momento ali. E esta aqui é uma capa da IstoÉ, eu fiz ali em Ipanema, no posto 9. Um cidadão resolveu tirar a roupa e dar um mergulho, ficar pelado na praia, entendeu?, e tomar banho pelado. [Américo ri] E aí eu fiz essa foto aqui.
E eu gosto dela justamente porque, ao contrário daquela anterior da Veja, mais política, que era um tema mais pesado e tal, essa aqui é mais comportamental. É uma coisa mais carioca, tem muito a ver com a cidade, que é lançadora de moda, o que sempre foi, né?... O top-less começou aqui no Posto 9. Eu, pelo menos, tenho várias fotos... E depois, a do Carnaval. Que no Carnaval seguinte as mulheres já botaram os peitos pra fora e tudo. E tá tudo certo, não tinha mais grandes problemas isso... (...)
Você acha que esse é um momento histórico, nesse processo de mudança de comportamento?
Ah, eu acho que é um momento de mudança histórica, muito importante. E voltando àquele tema, que eu estava falando, da importância...
Nesta foto aqui eu tinha um tema, que era o verão. Quer dizer, o verão do Rio de Janeiro. Todo verão se faz matéria aqui sobre o verão. Mais especificamente, foi o verão quando começou... Foi logo depois da Anistia (81, 82, coisa assim...), que foi logo depois da tanga do Gabeira, do top-less na praia... Então foi um momento assim, que mexeu no comportamento do carioca, na praia, aquele momento ali... Então, nesse sentido, quando eu fui para a praia para fotografar, eu realmente fiquei procurando algo que simbolizasse isso. Não podia ser mais algo como o top-less, que essa foto todo mundo já tinha dado, não era mais novidade nenhuma...
Esse foi um lance de sorte completo, ali... Tinha que estar ali, é claro. Mas, chega um cidadão... Chega, tira a roupa, e foi mergulhar. E isso também aconteceu rapidamente, isso aqui. Aquelas coisas de jornal... Você tá ali, viu, bota a lente, faz! E depois vê... E eu, na hora, não vi que ficou exatamente ali, só, só... [aponta a foto], que não tava o corpo inteiro...




Se bem que eu tenho a seqüência inteira... Ele correndo, entrando na água e mergulhando. Aí, em termos editoriais, para não ficar muito chocante... [Américo ri], aí, botaram essa aqui...
Você participou desse processo de escolha da foto?
Não, não... Nessa época, ao contrário de hoje, que é tudo digital, era cromo. Então você fazia tudo isso e a gente nem revelava aqui no Rio. Mandava para São Paulo, era revelado lá o filme, e daí pra frente você perdia o controle total. Você não vê mais nada. Pode no máximo dar uma ligada, falar, sugerir, “olha, tem uma foto...”. Mas nem eu sabia o que tinha, exatamente o que tinha. Essa foto exatamente, nem eu... Porque, você faz a seqüência, tem que revelar o filme para ver exatamente o que saiu...
Não participei. Mas eu confiava muito no pessoal da IstoÉ nessa época, eles tinham um olho bom para isso. O Hélio Campos Mello, o João Bittar, que trabalhavam lá, a Cristina Villares, o Zé Bittar, o Juca Martins... Então, era uma turma boa que fotografava lá. E era um processo meio coletivo, a IstoÉ tinha isso. Ali todo mundo chegava e dava um palpite, falava e tal... Quer dizer, não era uma escolha solitária do Hélio. Ele podia fazer também, mas não era.
E o pessoal tinha um olho bom, o pessoal tinha uma visão legal da fotografia. Uma fotografia menos comportada, menos cheia de regra. Que a Veja era muito cheia de regras, tinha coisa que pedia-se para não fazer, pedia-se para não fazer daquele jeito. E a IstoÉ fez justamente uma outra vertente... Ela era menos comportada, menos cheia de regras. Ela explorava o que o fotógrafo tinha de melhor. Você tinha o seu estilo, ela explorava o melhor do seu estilo, e não... Fazia o contrário do que a Veja fazia. A Veja, quando aparecia um talento novo, ela contratava, mas, ao contratar, exigia que o cara deixasse de lado o seu talento para fazer segundo as regras visuais da empresa. Quer dizer, aquele talento perdia-se, sei lá... A IstoÉ, nessa época, não. Ela fazia justamente o contrário, o que a diferenciava.
Havia diferença de culturas visuais?
Tinha, sim, claro... Por exemplo, tem uma clássica, assim que esse tema vem à tona... A turma da IstoÉ gostava muito da grande-angular. E a turma da Veja gostava muito da tele, do plano fechado. Quer dizer, dos planos mais fechados e tal... A turma da IstoÉ gostava da grande-angular porque você enquadra mais coisas para aquele seu tema, que você está fotografando. Você contextualiza, você sabe onde ele está, você não tira ele do ambiente. O que a tele não dá... Com a tele você fecha no objeto fotografado, você descontextualiza. E a turma da IstoÉ era o contrário, a gente gostava de contextualizar. Mas não era só isso, não era uma regra fixa, imagina... Mas era uma coisa que caracterizava, de uma revista para a outra.


Américo Vermelho > formado em Comunicação Social pela Universidade Católica do Paraná (1978), começou a fotografar no Paraná em 1969.
Trabalhou como fotógrafo para os principais jornais e revistas do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, tais como: O Estado do Paraná, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S. Paulo, assim como nas revistas IstoÉ, Veja e Senhor. Como cinegrafista, trabalhou para as TV Tibagi e TV Paraná, no Paraná.
Entre 1983 e 1986, foi professor de Fotojornalismo na PUC do Rio de Janeiro.
Atualmente, além de atuar como fotógrafo para diversos jornais e revistas (e cursos de fotografia), desenvolve trabalhos na área da fotografia digital.

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